NOVA TÁTICA BUSCA AUMENTAR A SEGURANÇA DO PROCEDIMENTO
A apendicite aguda é a afecção inflamatória do apêndice cecal ou vermiforme e constitui a principal causa de abdome agudo cirúrgico nos países ocidentais. A incidência durante a vida é estimada em 7–8%, acometendo, sobretudo, adolescentes e adultos jovens.
Descrita por Fitz e realizada pela primeira vez em 1886, a retirada do apêndice cecal (apendicectomia) é o tratamento de escolha no manejo da apendicite aguda. A introdução da via laparoscópica para a apendicectomia foi descrita por Kurt Semm em 1982. Apesar de datar mais de 50 anos da primeira apendicectomia laparoscópica, ela ainda é realizada por laparotomia em uma significativa porcentagem de casos em nosso país. Embora a preferência pelas técnicas minimamente invasivas seja uma tendência mundial, a cirurgia aberta ainda é a realidade na maioria dos hospitais públicos devido à ausência de capacitação da equipe e/ou da indisponibilidade de material específico para laparoscopia. A apendicectomia aberta é um procedimento seguro e com baixa morbimortalidade, porém a abordagem minimamente invasiva tem sido associada a menor incidência geral de complicações, em especial, relacionadas a infecções de sítio cirúrgico e hérnia incisional. Além disso, propicia uma recuperação pós-operatória mais rápida, com menos dor, menor tempo de internação hospitalar e retorno para as atividades profissionais de forma mais precoce, evitando afastamentos laborais prolongados. A literatura suporta que a apendicectomia laparoscópica deve ser indicada rotineiramente havendo disponibilidade de material e capacitação da equipe cirúrgica no tratamento da apendicite aguda, possuindo ainda mais vantagens para casos complicados, em pacientes obesos e em mulheres em fase reprodutora.
Na apendicite aguda, a complexidade da cirurgia varia conforme a gravidade do processo inflamatório/infeccioso do apêndice cecal. Uma melhor estruturação do atendimento em saúde no país e a disponibilização de exames de imagem como ecografia e tomografia computadorizada tendem a facilitar um diagnóstico mais precoce e a mais pronta indicação de cirurgia. Isto aumenta a chance da realização da cirurgia por técnica minimamente invasiva – videolaparoscopia e diminui a necessidade de conversão para uma cirurgia aberta em função da complexidade e gravidade da situação. Assim, a apendicectomia por videolaparoscopia na apendicite aguda pode ser tecnicamente fácil ou extremamente difícil conforme as características do paciente e o grau de evolução da sua doença. Medidas que aumentem a sua segurança são muito bem-vindas pelos cirurgiões.
Proposta em 1995 e descrita por Strasberg em 2010 (Strasberg SM, Brunt LM. Rationale and use of the critical view of safety in laparoscopic cholecystectomy. J Am Coll Surg. 2010 Jul;211(1):132-8), a tática do “critical view of safety” (CVS - visão crítica de segurança) revolucionou a colecistectomia por videolaparoscopia, gerando parâmetros de segurança técnico-táticas reproduzidas em todo mundo a partir de uma difusão mundial comandada pelo trabalho da Society of American Gastrointestinal and Endoscopic Surgeons (SAGES). Hoje nenhum cirurgião deve operar uma colecistectomia sem utilizar este princípio tático de segurança. Cirurgiões sabem que a padronização cirúrgica é fundamental e neste sentido existe um interesse em reproduzir a ideia do” critical view of safety” para outras técnicas.
Neste sentido, Subramanian et al (Subramanian A, Liang MK. A 60-year literature review of stump appendicitis: the need for a critical view. Am J Surg. 2012 Apr;203(4):503-7) propuseram em 2012 uma tática de visão crítica de segurança (CVS) para a apendicectomia nos moldes da proposta por Strasberg para colecistectomia laparoscópica. O princípio fundamental é que o fator mais importante causador de acidentes durante um procedimento cirúrgico é a identificação incorreta da anatomia cirúrgica. O CVS para apendicectomia está centrado na identificação correta da junção apendicular-cecal, ou seja, da base apendicular. O CVS é alcançado quando a tênia é vista claramente, durante a videolaparoscopia, na superfície do ceco, correndo para a base do apêndice, com o apêndice elevado e deslocado inferiormente e o íleo terminal em primeiro plano Nesta posição, o mesoapêndice pode então ser dividido adequadamente e a base claramente identificada. O comprimento do coto apendicular abandonado é crucial. A maioria dos autores recomenda deixar menos de 5 mm. Acredita-se que um coto com mais de 5 mm seja grande o suficiente para atuar como reservatório de um fecalito. Esta situação propicia a possibilidade de uma apendicite do coto apendicular, de muito maior dificuldade de diagnóstico e tratamento. A apendicite no coto continua a representar um dilema diagnóstico tanto para cirurgiões quanto para médicos do pronto-socorro. Isto porque ao sabermos que o paciente foi anteriormente submetido a uma apendicectomia, tendemos a remover rapidamente a apendicite aguda da nossa lista de diagnóstico diferencial. A relação temporal entre a apendicectomia inicial e o início da apendicite no coto é extremamente variável, variando de semanas a anos, o que complica ainda mais a situação. Devemos, então, ter como objetivo limitar o risco de apendicite no coto, incentivando os cirurgiões a adotarem o CVS para apendicectomia sugerido por Subramanian et al.
País de grandes complexidades e contrastes, o Brasil mostra suas faces de primeiro e terceiro mundo na aplicação e universalização de procedimentos cirúrgicos tecnológico-dependentes. Um bom exemplo fica por conta da videolaparoscopia, que possui potencial de agregar segurança e efetividade ao tratamento das doenças, além de qualidade de vida aos pacientes. A ideia da consagrada visão crítica de segurança na colecistectomia por videolaparoscopia aplicada a outros procedimentos busca padronizar a técnica e aumentar a efetividade e a segurança da cirurgia.
Referências
1. Domene CE, Volpe P, Heitor FA. Three port laparoscopic appendectomy technique with low cost and aesthetic advantage. Arq Bras Cir Dig. 2014;27 Suppl 1(Suppl 1):73-6.
2. Subramanian A, Liang MK. A 60-year literature review of stump appendicitis: the need for a critical view. Am J Surg. 2012 Apr;203(4):503-7.
3. Strasberg SM, Brunt LM. Rationale and use of the critical view of safety in laparoscopic cholecystectomy. J Am Coll Surg. 2010 Jul;211(1):132-8.
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